Imagine uma larga estrada de terra batida e plana. Inumeráveis zumbis caminhando e arrastando seus pés numa mesma direção. Os zumbis não conseguem enxergar para onde a estrada realmente os levará. Um imenso nevoeiro aquecido por um mormaço inacreditável invade vez por outra essa estranha estrada. Mesmo assim os zumbis continuam caminhando. Com as roupas velhas e rasgadas caindo sobre seus corpos e a pele mostrando-se encardida. Eu os chamo de zumbis, pois seus olhos são vagos e os braços pendem ao lado do corpo, em sentido oposto a cabeça, esboçando que lhes sobrevêm continuamente um cansaço extremo. Ainda que eles se sintam exaustos, eles continuam caminhando sempre na mesma sinistra direção. Nessa estrada ninguém é amigo de ninguém. Os caminhantes nem ao menos tentam interagir entre si. Apenas caminham. Aparentam sentir extrema fome, mas nada comem. Sentir grande sede, mas... Nada bebem. Apenas caminham... Caminham.
Vestindo roupas claras e também forçando seus pés, entretanto em outra estrada, paralela a dos zumbis, num terreno repleto de pedras e espinhos pelo caminho, outros avistam os caminhantes zumbis. Onde uma espessa escuridão os margeia e uma intensa luz pode ser vista permanentemente num distante horizonte, localizada numa direção totalmente oposta, as estrelas... Os chamarei de estrelas, pois eles parecem aos meus olhos cinzentos e embaçados pela poeira, pontos luminosos, num céu escuro que prenuncia grande tempestade. Pois bem, as estrelas carregam roupas semelhantes as que elas mesmas vestem pousadas em um de seus braços. Dentro de uma cesta de vime apoiada no outro braço elas carregam algumas frutas frescas, um frasco de cristal vermelho contendo um sangue de cor escarlate escuro e outro frasco de cristal límpido contendo apenas água. As estrelas oferecem esses presentes somente aos caminhantes zumbis que verdadeiramente quiserem recebe-los. Alguns poucos zumbis afortunados de pronto aceitam. Outros, porém recusam de pronto o presente, se mostrando até mesmo hostis para com as estrelas. Tolos, idiotas e egoístas. Aqueles, no entanto que decidem aceitar... Estancam a caminhada, trocam a estrada e a direção de seus passos de imediato. Arrancam os trapos que vestiam de seus corpos e logo se cobrem com as vestes oferecidas pelas estrelas e acompanham as benditas estrelas. Eles conversam, riem e acabam se tornando amigos de verdade... Podia bem de longe, numa cena meio enevoada, contemplar os largos sorrisos, ouvir as gargalhadas felizes... Arrisco-me a dizer que eles até mesmo passaram a se chamarem de irmãos. Eles comiam das suculentas frutas e bebiam daquela água pura que enchia minha boca de saliva. A pele das novas estrelas transformava-se com mágica, imediatamente em pura alvura e os olhos cinzentos e vagos ganhava sobrenaturalmente um tom brilhante semelhante ao diamante. O avermelhado frasco de sangue era reverenciado por eles com grande júbilo:
―É o sangue da salvação do inferno! É o sangue do Príncipe da paz! Eu podia os ouvir repetindo essas palavras bem ao longe, do outro lado da estrada, elas me encontravam ecoando junto com o vento quente e dessossegado que estapeava minha pele ressequida. Os zumbis tolos que não aceitaram mudar de direção e nem receberam os belos presentes, assim como eu, apenas continuavam caminhando... Se arrastando... Caminhando mais dias, mais anos... Caminhando... Se arrastando... Numa estrada sem fim... Mas com um destino sombrio... Um triste destino... Destino certo: O Inferno...
Di Tonini