dezembro 06, 2012

Gotas de Sangue


"Entre as altas árvores, bem escondida sob os galhos ressecados e as folhas secas alaranjadas, dobrei os joelhos. Sentia um desejo, que me consumia, de falar com Deus. Era a coisa certa a se fazer naquele momento. Tinha consciência disso. Mas não era uma vontade propriamente minha. Parecia mais uma ordem advinda da minha alma. Que praticamente obrigava-me a orar. Uma necessidade real do momento. Apesar de só compreender isso algumas horas após. Às vezes temos que apenas confiar em Deus, mesmo não entendendo as situações. Apenas confiamos e acreditamos em seu poder e proteção para conosco. Orei com um pesar aterrador no peito, enquanto começava a não sentir mais meus joelhos. Congelaram. Lembrei-me dos jovens que participavam do encontro e chorei muito por nossas almas. As lágrimas escorriam e caíam no gelo, fazendo pequenas gotas que logo congelavam. Uma de minhas lágrimas chamou-me a atenção. Assim que ela alcançou o solo, não pousou sobre a neve. Ao invés disso, caiu sobre uma das folhas secas dos carvalhos que estavam a volta. A folha seca parecia ter sido colocada ali estrategicamente. Seu tom acobreado ficara fascinantemente lindo em meio à neve branquíssima. O quadro me recordava momentos felizes. Não identifiquei quais. Entretanto me faziam bem. Sentei-me na neve ainda mirando a bela folha. Observei-a melhor e reparei que havia uma gota de cor diferente nela. Não pertencia a sua superfície. Pousara em relevo. Passei o dedo. Uma pequena valeta riscou o tom alaranjado, manchando-o. Levei o dedo trêmulo ao nariz e constatei o que não podia acreditar. Mas de onde? Olhei para o alto da árvore acima de mim. Avistei longos cabelos escuros e encaracolados, umidamente vermelhos. Rapidamente olhei ao derredor. Perplexamente contemplei a uns dois metros atrás de mim, entre outros carvalhos, uma poça do líquido carmesim de cheiro salgado. Os olhos, cor de mel e arregalados de pavor, o tórax imóvel e os lábios levemente azulados revelaram a fúnebre comprovação. Reconhecia de quem se tratava. Era Joanne. Uma menina tímida e muito inteligente que cantava no coro da congregação. Era filha de grandes amigos do meu pai. Nós nunca fomos próximas. Éramos muito diferentes. Acho que meu jeito estranho espantava-a. Uma tristeza profunda apoderou-se de mim. Não sabia o que fazer. Ficara atordoada e um pavor antigo apertou meu peito. Pavor da Morte. Assustei-me e lancei um grito pelo ar. Braços fortes me abraçaram por detrás e me ergueram com pressa, sussurrando: −Xiii! Olhei e dei de cara com os olhos verdes, agora brilhantes e felizes, me observando. Apeguei-me a eles, como um náufrago se agarra a uma tábua de salvação" Trecho de Nuvem Negra - Shirlei Di Tonini

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Façam a escritora feliz. COMENTEM!